quinta-feira, 24 de abril de 2008

O VERDADEIRO LOUCO DA RUA DA LADEIRA



Fui ao Teatro do SESC assistir "DIÁLOGOS DE UM LOUCO" para me reencontrar com dois velhos conhecidos: Qorpo Santo, o autor, que me foi apresentado por si mesmo através de suas peças, poesias e textos auto biográficos; e Marcos Barreto, diretor e ator santamariense que aterrizou em Porto Alegre nos idos de 1989. Qorpo Santo conheci ao encenar, em 2005, o espetáculo QURIOZAS QOMÉDIAS, onde reuni várias de suas peças, misturando-as com fatos reais e inventados sobre sua vida a a partir das coisas que ele escreveu sobre si mesmo. Já Marcos Barreto foi meu professor numa oficina de interpretação (no tempo que acontecia ensaios e oficinas de teatro no Auditório Araújo Viana) que ele orientou logo que chegou à cidade trazendo na bagagem e no currículo o aval de ser ex-integrante da Cia. Ópera Seca e ter trabalhado com o super diretor Gerald Thomas. Barreto colocou em cena um memorável espetáculo chamado "LOVEMENBER", no qual assinava o texto, o roteiro e a direção. Mais tarde foi coordenador de descentralização da cultura e diretor da mais complicada edição do Porto Alegre em Cena que ja se viu. Mais recentemente passou a residir no Rio de Janeiro, que foi onde estreou o trabalho apresentado no Teatro do Sesc.
Não tenho como separar emocionalmente o que sinto ao ver uma peça de Qorpo Santo depois do mergulho vertical que fizemos na obra e na vida dele para produzir o espetáculo. Sob este aspecto, não gostei do tratamento que o espetáculo dispensa a Joaquim José de Campos Leão, nem do tom da interpretação que Marcos Barreto para os diversos personagens, pois são superficiais e reproduzem o mesmo pensamento retrógrado que via Qorpo Santo meramente como um louco ou no máximo como um simples personagem bizarro, um "esquisitão", como era chamado pelos seus contemporâneos, ou "o louco manso da Rua da Ladeira" pinçado de uma crônica daquela época e republicada no livro de crônicas "AS AMARGAS, NÃO..." do nosso Álvaro Moreyra. Difícil escrever sobre. Parece que vemos dois QS completamente diferentes. É claro, que entendo que isso é possível, pois se o próprio QS se via e se colocava nas peças como sendo vários, múltiplos de si mesmo, então, é claro que as visões tem que ser diferentes, mas é patente a superficialidade do espetáculo, são patentes as derrapadas e esquecimentos de texto do intérprete que consegue graças ao carisma pessoal extrair algumas risadas da platéia. Achei a dramaturgia de Paulo Bauler fraca na forma e no conteúdo. Achei a proposta cênica e a direção bastante frouxas como convém ao ator que se autodirige e ao diretor que orienta a si mesmo. Faltou uma direção mais firme e exigente com relação aos maneirismos e facilidades do interpréte e que, principalmente, cobrasse que Marcos Barreto tivesse, pelo menos, fôlego para atravesar o espetáculo. Enfim, pra mim, o espetáculo não traduz a atmosfera de uma poética tão feroz e enlouquecida quanto a de Qorpo Santo. O espetáculo da maneira como se apresenta não oferece para o espectador moderno o ser torturado e excitado ao extremo que vivia numa Porto Alegre em formação, que tinha, em 1860, quando ele era adulto, uma população de 13.000 pessoas, das quais menos de um quinto sabiam ler e escrever, uma Porto Alegre com escravos construindo o Mercado Público e a classe rica fazendo doações para a construção do Theatro São Pedro. Os personagens são apresentados por Barreto de forma displicente e debochada, que, de maneira nehuma, passam para o público a dimensão humana de cada um deles. Não aparece o Qorpo Santo erotômano, o Qorpo Santo que fez tremer os tabus da época, que clamava pelo divórcio, pregava a liberdade feminina, e escreveu 17 peças de teatro em menos de um mês e meio e foi interditado pela mulher, e criou seu próprio jornal e imprimiu, e publicou sua própria obra.

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