Jamais deixaria de assistir A MEGERA DOMADA, não só porque a diretora, Patrícia Fagundes é minha amiga, mas porque admiro e acompanho o trabalho dela desde o início de sua carreira. Suas peças sempre foram certeza de bom teatro. Além disso, outra grande amiga, a atriz Sandra Possani entrou na peça, como protagonista, substituindo Roberta Savian. Então, assisti o espetáculo na penúltima sessão de sua temporada de estréia no Teatro de Câmara, com casa maravilhosamente lotada.
Dizer que Shakespeare dispensa apresentações é um lugar comum que cabe muito bem aqui neste parágrafo onde eu deveria tecer algumas considerações à respeito deste autor tão estudado, encenado e respeitado no mundo inteiro, e de quem o leitor poderá informar-se em inúmeras páginas da internet. Porém, tendo vivido apenas 52 anos e escrito 35 peças teatrais entre as quais pelo menos 4 obras primas da literatura universal, é natural que nem todas sejam incluídas nesta categoria, e apareçam, na minha mortal opinião, como obras menores dentro da magnifíca obra do chamado bardo inglês.
A MEGERA DOMADA, segundo a bíblia shakespeariana escrita por Harold Bloom, é uma de suas primeiras comédias e é "tanto comédia romântica quanto farsa" pois "a rispidez física entre Kate e Petrucchio possui um apelo básico (farsa), mas o humor que caracteriza seu relacionamento é altamente sofisticado" (comédia romântica). A história da peça, que ja foi apresentada sob a forma de tele-novela com o título de O Cravo e a Rosa, é simplíssima: um pai, Batista decide que a filha mais jovem, Bianca, só casará depois que a filha mais velha, a megera intratável Catarina seja desposada. Petrúcio, um nobre falido, acaba aceitando a mão de Catarina e todas as encrencas que virão junto. Um novelão bem ao gosto burguês (da época e atual)recheado de trocas de identidade, mentiras inverossímeis e duelos verbais espirituosos à moda parisiense, tão afiados quanto anacrônicos.
A encenação é moderna e até mesmo glamourosa, com os atores comportando-se com uma certa displicência naturalmente ensaiada. Penso que Antonio Rabadan se sai melhor com a criação dos figurinos deste espetáculo do que com aqueles que foram criados para o espetáculo anterior, apesar de que é um tanto batida a opção (não sei se dele ou da diretora) de trabalhar com preto, cinza, branco e vermelho. De qualquer maneira, os figurinos são adequados, bonitos e bem acabados. O cenário, ou melhor a ambientação cenográfica, assinada por Paloma Hernandez, se não se destaca, também não atrapalha, servindo as necessidades exigidas pelo espetáculo e auxiliando-o com sua leveza e mobilidade. EduardoKraemer, um dos meus iluminadores favoritos por sua inventividade, se mostra discreto e também a serviço do espetáculo, sem oferecer aquele brilho que ja vi em outras ocasiões.
Esta é a terceira incursão da diretora Patrícia Fagundes pela obra de Shakespeare, já que anteriomente encenou Macbeth, com o subtítulo de Herói-Bandido, depois O Sonho de uma Noite de Verão, e agora coloca em cena esta versão de A Megera Domada. As três montagens buscam recuperar o apelo popular que as obras gozavam na época elisabetana, bem como uma linguagem contemporânea para atingir o espectador moderno. Acho que a busca continua e que o adjetivo "popular" poderia ser analisado à fundo e definido com precisão, assim como a linguagem contemporânea, que não deve ser apenas, tenho certeza, inserir uma canção moderna, mencionar o furacão Catrina e acrescentar alguns cacos ou gírias modernas ao texto. Sem dúvida, a direção de Patrícia Fagundes sobre o espetáculo é firme e bem orientada no sentido de extrair uma teatralidade e uma comunicação viva do espetáculo com a platéia. No entanto, parece seguir (o que aliás, está muito na moda) uma receita, uma fórmula, ja inventada para o espetáculo anterior: a boate no "Sonho..." e a casa de shows, neste.
O elenco, que brilhava e cativava os espectadores no "Sonho...", agora apenas executa com presteza as marcações e determinações cênicas. Todos estão bem, mas o único que brilha e ganha a platéia é Felipe de Paula, que utiliza o corpo, a voz e inventa outros recursos para extrair gargalhadas do público. Explora com eficiência criativa as nuances de seu papel. A turma que arrasava no sonho: Álvaro Vilaverde, Lisandro Belotto (que tinha uma cena impagável) e Leonardo Machado estão apenas desempenhando aquilo que sabem como bons atores que são. No mesmo caso se encontram Carlos Mödinger e Rafael Guerra. A bela Elisa Volpatto está apenas bela e não tira maiores partidos de sua personagem, contentando-se em ser apenas a "mocinha". Heinz Limaverde aparece desconfortável e é o mais displicente em cena, não atingindo nem de perto sua performance da peça anterior, tampouco aquilo que se espera ao ver seu nome na ficha técnica, pois trata-se de um dos melhores atores que conheço, com seu talento ja testado e comprovado em uma gama variadíssima de espetáculos. Sandra Possani, ainda preocupada com as marcas e textos, vai demorar mais algumas apresentações para mostrar seu inegável talento.
O resultado é um espetáculo bonito, agradável, que não empolga em momento algum. Não decola. É, certamente ágil, divertido e comunicativo, mas não atinge a potencialidade cômica do texto, que aliás, é pronunciado pelos atores, salvo raras exceções, de cabo a rabo, com excessiva velocidade. Enfim, tanto por seu conteúdo, quanto por sua forma atraente e glamourosa, é uma peça destinada ao sucesso.
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