segunda-feira, 28 de abril de 2008
A COMÉDIA DOS ERROS - UM ACERTO COM POUCO RISO
quinta-feira, 24 de abril de 2008
PENÉLOPE BLOOM PARA POUCOS
MAIS UM SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO
MAIÊUTICA
Guadalupe Casal e Maíra Prates, duas jovens atrizes, sob orientação de Maico Silveira, estão em carta em cartaz no Teatro de Arena com MAIÊUTICA. Uma peça curta que pretende explorar "as divergências da relação mãe e filha num passeio poético guiado pela infância", conforme pode ser lido no delicado programa do espetáculo.
As duas atrizes são também as responsáveis pela dramaturgia, que, na minha opinião é o ponto fraco da peça, já que os textos selecionados e/ou a junção deles, não oferece um crescimento, um desenvolvimento progressivo nas idéias que o espetáculo pretende dialogar com o espectador. Não oferece também maiores dificuldades para a interpretação das atrizes. Passeios pelo universo feminino são tão abundantes no teatro quanto as chamadas peças de casal. Ou se encontra, dramaturgicamente, uma idéia com um quê de originalidade ou com textos que aprofundem esta discussão ou se cai na mesmice das coisas já faladas.
A encenação, como tantas outras, conta com poucos recursos, e opta por trabalhar apenas com alguns elementos de cena. O figurino assinado por Guadalupe Casal é apenas funcional. A iluminação, criada por Carol Zimmer, não acrescenta nada, não acentua climas, não vai além de iluminar a cena. Como o diretor não se assume como tal, e chama-se apenas de orientador cênico, não se pode comentar a direção. "Orientação" me parece um eufemismo para não assumir o compromisso com a real direção de uma peça, e também para dividir a responsabilidade com os atores. No caso, as atrizes.
As duas interprétes se mostraram excessivamente tímidas. Talvez por tratar-se da estréia. Com certeza, com a repetição das apresentações, elas irão fortalecendo suas interpretações. Gaudalupe Casal se mostra mais expressiva e apresenta mais nuances quando das acontecem mudanças de idade e de situação. Maíra Prates aparece melhor como criança do que como adulta ou uma mulher solitária mãe de uma adolescente. Transita com demasiada semelhança pelas direfentes fases solicitadas pelo texto.
O resultado é uma peça que não empolga, que carece de criatividade, de aprofundamento interpretativo, de direção e de uma dramaturgia mais sólida e, com a simplicidade de um risco de giz traçar um espetáculo com uma teatralidade mais exuberante.
ALZIRA POWER - DE VOLTA AO PASSADO
Antônio Bivar, participante ativo do movimento de contra-cultura dos anos 60 e 70, ganhou um prêmio Molière como autor de "ABRE A JANELA E DEIXA ENTRAR O AR PURO E O SOL DA MANHÃ". Com a grana do prêmio pegou sua mochila e foi pra Londres viver as loucuras da geração paz e amor no auge do movimento hippie, flower power, lsd, che guevara e comunidades psicodélicas. Dramaturgo considerado promissor pela crítica, escreveu uma dezena de peças, quase todas numa linha de contestação ao "estabelishment", das quais, "ALZIRA POWER" é uma das mais conhecidas.
A peça, que também atende pelo título de "O Cão Siamês", teve sua estréia em 1969 e conta a história da quarentona e solitária Alzira, que depois de aposentada de seu trabalho nos Correios resolve rebelar-se contra os medíocres parâmetros de uma vidinha classe média, e despeja um pouco de sua agrassividade e toda sua libido quando recebe a visita de Ernesto, simplório vendedor de consórcios de automóveis.
A versão apresentada nesta montagem, que fez sua estréia nacional no Theatro São Pedro, é absolutamente fiel ao texto e as indicações quanto ao cenário, trilha sonora, climas e figurinos utilizados. Nada de novo. A direção de Gustavo Paso se restringe a seguir tudo aquilo que é indicado pelo texto, traçando uma marcação limpa e um espetáculo apenas correto.
O centro por onde gira o espetáculo é a interpretação segura da experiente atriz Cristina Pereira, que prefere explorar a faceta mais aparente e superficial de Alzira, do que descer mais profudamente pela alma da personagem. O vendedor Ernesto é interpretado por Sidney Sampaio, um ator jovem que, se por um lado, não compromete o espetáculo com sua tênue construção, por outro, em momento algum consegue emplogar o público com as idéias que tenta defender durante a peça. Ernesto é mesmo mais "fraco" do que Alzira. Sidney se comporta exatamente assim diante da verve de Cristina Pereira.
Enfim, nada de novo no país Teatro. Quem foi assistir não pode reclamar que perdeu seu dinheiro e seu tempo, e aqueles que não foram também não precisam arrepender-se. Ah! O espetáculo é muitíssimo melhor do que a foto distribuída pela divulgação.
A MEGERA DOMADA
A CRÍTICA DA CRÍTICA
FIM DE JOGO
O diretor é figura carimbada na história do teatro portoalegrense, professor universitário, duas vezes coordenador de artes cênicas, autor de um dicionário de teatro e dono de um extenso currículo como diretor e ator. Conheci-o pelos idos de 1976 quando foi meu professor e tive oportunidade de assistir vários de seus trabalhos desde aquela época. Na encenação deste "jogo" beckttiano me parece que o Prof. Luiz Paulo, não quis arriscar um milímetro das suas fichas. Construiu uma montagem esquemática, quadradinha, eficiente, comunicativa seguindo fielmente as rubricas e indicações do autor. É quase um manual para se entender Beckett. É uma peça bem feita, com tudo no seu lugar, orientada por quem entende do riscado, por alguém que conhece a carpintaria teatral mas prefere ficar na comodidade careta do que procurar novos sentidos e possibilidades.
Para quem, assistiu a inesquecível montagem da Terreira da Tribo, com a hors concours Arlete Cunha no papel Hamm e Paulo Flôres vivendo Clov, ou a montagem de Rubens Rusche que esteve na terceira edição do PoA em Cena, em 1996, ou ainda, a belo ambiente criado para a encenação de Gerald Thomas, esta atual versão da peça nada acrescenta. Aliás, só não deixa a desejar, pela interpretação irretocável do excelente ator Zé Adão Barbosa. Com certeza auxiliado pela talentosa atriz Sandra Dani e pela caracterização precisa criada por Nikki, um verdadeiro mago da maquiagem, Zé consegue em pequenos detalhes de voz e expressão nos comunicar a dimensão da amargura, tédio, ressentimento e inutilidade da vida, contida nesta que é uma das peças mais conhecidas de Samuel Beckett. Um agradabilíssimo prazer assistir a suave entrega de Zé Adão Barbosa em cena. Jeffie Lopes, um pouco pela sua juventude, outro tanto por sua... tem dificuldade em transmitir o drama vivido por Clov, não tem a dimensão humana da personagem. Já os pais de Hamm, Crissiani Sgarbi e Vinicius Meneguzzi, se beneficiam da caracterização e aparecem bem em seus latões.
O cenário criado pelo diretor e por Jeffie Lopes imita a peça e segue as determinações e exigências da peça tornando-se apenas um arremedo do que poderia ser o ambiente que abriga o embate entre Hamm e Clov. Peca na altura, como aliás a maioria dos cenários das peças de Porto Alegre. E, peca na cor, que, como disse uma amiga minha, é "cor de cocô". A iluminação do criativo Eduardo Kraemer é bonita e eficiente.
Todos estão de parabéns pela realização. Um espetáculo sólido, honestíssimo, que conta com a interpretação poderosa de Zé Adão Barbosa e a mão segura do Prof. Luiz Paulo. Parabéns ao Tepa pela iniciativa de produzir um espetáculo e inaugurar sua Sala de apresentações.
E LÁ SE VAI MAIS UM PORTO VERÃO ALEGRE
Convenhamos que 0 público tem dar sorte para encontrar, no meio de tanta coisa ruim, as poucas boas atrações da programação. Ou então, ele, o público, é um pouquinho mais informado e compra ingressos daqueles espetáculos que ele, o público, mais conhece e/ou ouviu falar. Corre-se o risco de assitir algo que faça o vivente nunca mais querer pisar num teatro ou, por outra, nunca assistir nada diferente do que os "grandes sucessos".
Talvez, a contribuição fosse maior, se o Porto Verão Alegre se concentrasse mais na qualidade e menos na quantidade.
O VERDADEIRO LOUCO DA RUA DA LADEIRA
Não tenho como separar emocionalmente o que sinto ao ver uma peça de Qorpo Santo depois do mergulho vertical que fizemos na obra e na vida dele para produzir o espetáculo. Sob este aspecto, não gostei do tratamento que o espetáculo dispensa a Joaquim José de Campos Leão, nem do tom da interpretação que Marcos Barreto para os diversos personagens, pois são superficiais e reproduzem o mesmo pensamento retrógrado que via Qorpo Santo meramente como um louco ou no máximo como um simples personagem bizarro, um "esquisitão", como era chamado pelos seus contemporâneos, ou "o louco manso da Rua da Ladeira" pinçado de uma crônica daquela época e republicada no livro de crônicas "AS AMARGAS, NÃO..." do nosso Álvaro Moreyra. Difícil escrever sobre. Parece que vemos dois QS completamente diferentes. É claro, que entendo que isso é possível, pois se o próprio QS se via e se colocava nas peças como sendo vários, múltiplos de si mesmo, então, é claro que as visões tem que ser diferentes, mas é patente a superficialidade do espetáculo, são patentes as derrapadas e esquecimentos de texto do intérprete que consegue graças ao carisma pessoal extrair algumas risadas da platéia. Achei a dramaturgia de Paulo Bauler fraca na forma e no conteúdo. Achei a proposta cênica e a direção bastante frouxas como convém ao ator que se autodirige e ao diretor que orienta a si mesmo. Faltou uma direção mais firme e exigente com relação aos maneirismos e facilidades do interpréte e que, principalmente, cobrasse que Marcos Barreto tivesse, pelo menos, fôlego para atravesar o espetáculo. Enfim, pra mim, o espetáculo não traduz a atmosfera de uma poética tão feroz e enlouquecida quanto a de Qorpo Santo. O espetáculo da maneira como se apresenta não oferece para o espectador moderno o ser torturado e excitado ao extremo que vivia numa Porto Alegre em formação, que tinha, em 1860, quando ele era adulto, uma população de 13.000 pessoas, das quais menos de um quinto sabiam ler e escrever, uma Porto Alegre com escravos construindo o Mercado Público e a classe rica fazendo doações para a construção do Theatro São Pedro. Os personagens são apresentados por Barreto de forma displicente e debochada, que, de maneira nehuma, passam para o público a dimensão humana de cada um deles. Não aparece o Qorpo Santo erotômano, o Qorpo Santo que fez tremer os tabus da época, que clamava pelo divórcio, pregava a liberdade feminina, e escreveu 17 peças de teatro em menos de um mês e meio e foi interditado pela mulher, e criou seu próprio jornal e imprimiu, e publicou sua própria obra.
NOSSA SENHORA DOS AFOGADOS
Levando em consideração que esta é a primeira direção assinada por Plínio Marcos, posso dizer que ele está no lucro. Realiza um espetáculo com uma concepção clara, baseada na simplicidade, com poucos recursos mas recheada de bons signos teatrais. Fiel as rubricas de Nelson Rodrigues, Plínio cria (ou pretende criar) climas e clímaxes nas cenas e lida razoavelmente bem com a presença do coro que às vezes atrapalha ou interrompe o desonrolar da ação dramática capturando a atenção do espectador em momentos indevidos. Por outro lado, Plínio demonstra dificuldade nas costuras entre as cenas, na limpeza do trabalho de entradas e saídas, na determinação sobre em que momentos o coro deve aparecer e no desenho de um ritmo específico para cada cena e para a peça como um todo.
O cenário de Rudinei Morales, carece de arte, de finalização. Apesar do espaço do Depósito de Teatro ainda se mostrar como um espaço precário, apesar de conhecer o tamanho do orçamento destinado para a montagem, penso que, se por um lado o cenário tem limpeza e equilíbrio, simplicidade e eficiência, por outro, demonstra descuido com a necessidade de beleza plástica e com a idéia de finalização. Chico de Los Santos foi feliz na escolha dos tons de cores que utilizou na composição do figurino e consegue um bom resultado no conjunto.
Mas é no elenco que residem as maiores dificuldades do espetáculo. Minha experiência diz que é sempre melhor misturar jovens talentos com atores mais experimentados, porque desta maneira a tendência é elevar os resultados na área da interpretação. Numa oficina isso raramente vai acontecer. Todos estão no mesmo nível de saber ou de dificuldades para colocar em prática o conhecimento adquirido em oficinas anteriores ou na única peça que realizaram. Assim, descontando a parcela de 50% que sempre cabe as exigências da direção e a interação e comunicação entre diretor e elenco, senti que, embora todos os interprétes tivessem condição de ir mais longe, todos preferiram nadar perto da praia ao ivés de arriscarem-se na arrebentação. Nelson Rodrigues escreveu uma tragédia para vários protagonistas. Tanto pode ser a história vivida pelo pai de família e quase ministro Misael, interpretado por Rui Koetz (que baseou seu personagem na potente voz que brota de sua garganta e não de seu coração, e não rasga sua alma, não se enlemeia na profunda tragédia que a vida trama para o seu personagem, a insuportabilidade de conviver consigo próprio ao cometer um assassinato), mas também pode ser que o protagonista seja o noivo, encarnado por Ricardo Zigomático (que entra bem e vai perdendo a força porque sua interpretação é um tanto exterior e esteriotipada, um tanto insegura, necessitando aprofundar um conjunto de imagens para completar sua visão da personagem e então, permitir que ele possa reproduzir a força da vigança, o filho que vem para vingar a morte da mãe da maneira mais cruel que se possa imaginar). Ou quem sabe a protagonista é a mocinha, a noiva Moema, interpretada por Camila Martins, que, assim como Rossendo Rodrigues e Viviane Falkembach trabalham demasiadamente no mesmo registro do trabalho anterior "ÓPERA DOS MENDIGOS". Também o torturado filho da família, Paulo, vivido por Diego Bittencourt, poderia ser o protagonista da história, ja que esta personagem tem sua história revelada pela peça. Mas Diego atua sempre na mesma nota, tem dificuldades com a pronúncia das palavras, e vai do começo ao fim da peça sofrendo e usando a mesma máscara facial contraída que pouco revela sobre a alma de sua personagem. Kelly Cruz, Daniela Ferraz e Valesca Maffei, sendo que esta última é cria do Depósito, tendo atuado em "O ÚLTIMO CARRO", revesam-se na interpretação da mãe, Dona Eduarda e não atingem grandes vôos, ficando aquém daquilo que poderiam ter rendido e não alcançam a dimensão trágica solicitada pelo papel. Tatiana Moraes teve um momento de crescimento durante os ensaios mas acomodou-se e mostra uma vó louca com pouquíssima loucura e uma certa pressa em soltar o texto. Finalmente, Núbia Quintana, que foi quem criou as máscaras, não se apresenta com força e energia em cena, mas mesmo assim tira algum proveito quando na pele da dona do prostíbulo onde acontece o ato final. Por falar nas máscaras, acho que Nübia realizou um belo trabalho, mas optou por máscaras leves quase engraçadas, que não trazem em si o peso da tragédia vivida pela família de Misael.
O espetáculo é curto, mas mesmo assim não se comunica integralmente com a platéia. E, embora a tragédia não aconteça, tem a força do texto rodrigueano e uma concepção bem delineada que o coloca acima de muitos trabalhos que se vê por aí afora. Parabéns ao Plínio. Parabéns ao elenco e a equipe.
PÍPPI MEIA LONGA
O grande problema ou questão reside no fato do espetáculo, na minha opinião, não ser fiel a autora. É fiel no conteúdo, ao tamanho do texto quando coloca toda a história do livro dentro do espetáculo e, assim, não frustra a expectativa das crianças. Talvez, seja fiel na forma, ao manter basicamente o cenário que as crianças esperam. Mas não é fiel na essência, na substância... O uso e abuso de personagens tipificados e até certo ponto babacas, a transformação do texto em uma historinha sonsa, a concepção linear e a dinâmica que a diretora imprime ao espetáculo, os figurinos "bem coloridos" e aquele ar de teatro infantil comportado, enfim, a falta de ousadia parece ir contra o âmago da história criada por Astrid Lindgren, que coloca em cena uma menina que faz suas próprias roupas, tem como companheiros um cavalo e um macaco, é destemida a ponto de bater em meninos como a Mônica do Maurício de Souza, enfrenta policiais e recusa-se ir para um lar de crianças, é uma menina que realiza sonhos de liberdade e aventura e além de tudo é feliz. Moira Stein, concebe um espetáculo convencional, baseado em personagens convencionais para apresentar uma menina que pode ser tudo, menos convencional.
Se, por um lado, Tatiana Paganella (que ja vi atuando sob direção de Néstor Monastério em "A VIDA MUDA, cria uma personagem crível, por outro, interpreta completamente sem o brilho e a energia solicitados pela personagem de Astrid Lindgren. Juliano Straliotto e Ágata Baú, ex alunos do Depósito e formados pelo DAD, criaram para suas personagens (certamente com a permissão da diretora) duas personalidades absolutamente esteriotipadas, ja que fingem-se de crianças o tempo todo e transformam os irmãos Tom e Aninha, únicos amigos de Píppi Meialonga, em uma dupla sem graça. As outras personagens seguem e mesma linha conseguindo produzir um esteriótipo ainda pior. Todos executam "tipos", rascunhos de personagens. Menos um. Meu amigo pessoal, Herlon Höltz é uma grata surpresa. Aparece muito bem, principalmente na personalidade que cria para o Ladrão Tonerre. É muito boa e crível a maneira com que Tonerre se desloca pela cena. Corpo, voz e espírito dão credibilidade à personagem. Ponto para o Herlon. Pra mim, ele dá o tom do que poderia ser o espetáculo. Ora, como vamos acreditar na história de uma menina de nove anos que mora sozinha e tem um pai pirata, se não houver um pouco de loucura na forma, na concecpção e nas personagens? Eu não acredito.
Píppy MeiaLonga, a peça, está indicada em algumas categorias do Troféu Tibicuera, premiação oficial da nossa Prefeitura para o teatro infantil local. Então, apesar de perceber várias qualidades no espetáculo, apesar de enxergar a honestidade da proposta de Moira Stein, sou obrigado a pensar no rumo que está tomando o teatro infantil produzido aqui e clamar: onde foram parar a criatividade, a inventividade e a ousadia? Que saudade das montagens infantis do Dilmar Messias, do Luis Henrique Palese, da Irene Brietzke. Onde estão os atores mais experientes que sumiram da peças infantis? Quais as causas do empobrecimento do nosso teatro infantil?
TALENTOS BRUTOS
pequeno comentário sobre O Balcão.
Hoje à tarde fui ao teatrinho do DAD, assistir "O Balcão", clássico de Jean Genet apresentado numa montagem de final de semestre, dirigida por Ana Paula Zanandréa, aluna do Atelier de Criação II, e interpretada por um grupo de alunas + Douglas Carvalho, todos do Atelier de Composição II.
Quando se fala em O Balcão eu lembro, direto, da célebre montagem realizada pela atriz e produtora luso-brasileira Ruth Escobar, dirigida como um extenso ritual por Vitor Garcia. Memorável por diversos motivos, tais como exigir a remodelação total do prédio do teatro onde a encenação foi apresentada, ou o fato de Jean Genet ter vindo ao Brasil para assistir a peça e ter odiado o espetáculo, ameaçando retirar-se no meio da apresentação de estréia. Recordo, também que houve, aqui em Porto Alegre, uma montagem dirigida por Luciano Alabarse. E, lembro, é claro de quem é o autor e sua história e suas outras peças, como As Criadas, Os Biombos e Os Negros.
Pode se dizer que O Balcão é um texto difícil, até mesmo complexo, que bem retrata o tortuoso e atormentado pensamento do autor que quer provocar um choque sensorial tão insólito, quanto belo.
A encenação de Ana Paula, que mantém a pobreza habitual de recursos das montagens dadianas, e isso não é uma crítica a ela, é pra lá de debochada, um tanto confusa e vai perdendo o ritmo no final. Tem cenas bem ensaiadas e "limpas" alternadas com cenas "sujas" e apenas rascunhadas. Ana Paula faz a sua leitura sobre o texto. Apropria-se das idéias que Genet coloca no texto e vomita o seu (dela) próprio Balcão colocando em cena boas idéias que se perdem ou apenas se esboçam. Mais uma peça que tem coreografias. E mais uma vez a coreografia acaba sendo melhor do que o teatro. Talvez por ser mais precisa e por comunicar coisas que os atores não conseguem comunicar. O temível no teatro é a hora do texto. A hora que o ator fala. Sinto que é um momento crucial, na maioria das vezes mal resolvido pelas equipes. Por falar em elenco, deu pra ver que na falta de atores do sexo masculino na turma, Ana Paula teve que realizar a peça com um elenco maciçamente feminino. Mais atrizes para a cena gaúcha. Bastante energia descontrolada, muita gritaria. Todo mundo segurando o espetáculo e o personagem na voz. É bom ver todos experimentando-se, exercendo o fazer teatral. Fato curioso: mais uma vez, em menos de uma semana, percebo o cabelo do ator dividindo a performance com o próprio ator. Desta vez o combate se dá entre Vanessa Silveira e seu maravilhoso cabelão. Atriz bela em cena, com uma boa energia e desenvoltura é atrapalhada cruelmente pelo cabelo. A menina que interpreta o chefe de polícia consegue ainda que de maneira tôsca e uniforme, uma boa resposta da platéia. Dá pra se dizer que ela joga com o público. A Rainha, Elisa Volpato, devia aproveitar a sua altura com altivez ao invés de curvar-se como o faz diversas vezes, tem uma voz boa, às vezes corre com o texto, às vezes fica interpretando reações esteriotipadas enquanto escuta. O elenco tem, de maneira geral, uma boa energia, uma total dedicação, um gestual pobre, com ambas as mãos e braços executando o mesmo gesto. Como destaquei no título, trata-se, tanto na direção quanto no elenco, de talentos brutos. Todas (+ Shantal) ainda terão mais um ou dois semestres para desenvolverem suas habilidades teatrais, e então, é certo, vão surgir os diamantes.
PEQUENOS MILAGRES DO FABULOSO GRUPO GALPÃO
Este espetáculo do Galpão é limpo, bem marcado, com uma concepção clara e passagens de cenas bem delineadas. A peça vai conquistando o espectador aos poucos com a história escolhida para servir de ligação entre as outras, "Cabeça de Cachorro", brilhantemente interpretada por Antônio Edson, o querido e carismático Toninho. Em "Casal Náufrago", o público ja está na mão dos atores e totalmente envolvido pela peça. O elenco do Galpão, esbanja segurança e unidade, aproveita sua maturidade para divertir-se em cena. Destacam-se as interpretações de Lydia del Picchia vivendo a esposa Cinira e o ja citado Antônio Edson que interpreta o menino João.
Acima, escrevi o fabuloso Grupo Galpão. O "fabuloso" se refere ao fato de o Galpão ser uma referência clara no teatro nacional e também, já que acompanho seus trabalhos há mais de 15 anos, porque sempre, em todas as montagens, mantém-se um nível de excelência técnica e artística que impressiona. Ver o Galpão sempre é bom. Se, peças como "Um Trem Chamado Desejo"ou "A Rua da Amargura", não possuem o brilhantismo e carisma de "Romeu e Julieta", que foi o espetáculo que projetou nacionalmente o grupo, acho extraordinário que cada uma destas montagens mantenham para o espectador tudo o que se espera do fabuloso Grupo Galpão.
O MELHOR DO TEATRO FOI A DANÇA
Desta vez, ganhei um convite para assistir "Eu Preciso Aprender a Ser Só", com direção de Eduardo Kramer, que é um diretor sempre inventivo tanto na luz quanto na direção. De cara fiquei feliz porque tinha gente suficiente pra quase lotar a Sala Álvaro Moreyra, que está bem equipadinha e coisa e tal, mas conserva pra sempre a sina de "sala". Até que alguém a transforme num teatro, vai ser sempre uma sala. Acho que ja disse aqui que adoro quando vou ao teatro e tem bastante gente pra assistir. Já vi trabalhos anteriores de Eduardo Kraemer. O que mais permaneceu em mim foi "Espancando a Empregada", que vi na mesma sala, com a dupla Renato Campão e a minha diva Arlete Cunha arrasando, destruindo as pseudo estruturas do público e do teatro. O texto de "Preciso Aprender..." é infinitamente mais fraco, raso e batido do que o texto da outra peça citada. Isso faz uma diferença significativa. A falta de comunicação na vida moderna, a condenação a solidão do ser humano no mundo contemporâneo, a obrigatoriedade de ser políticamente correto num mundo cada vez mais defeituoso e fragmentado, são temas abordados em diversos filmes e espetáculos do final do século passado e contemporâneos. É o tema, por exemplo, de "Encontros Depois da Chuva", de Adriane Mottola. O melhor da peça, aquilo que mais me tocou, foram as coreografias. A parte teatro do espetáculo de teatro/dança do Eduardo, estava enfraquecida pelo texto; pelas pálidas performances dos atores, cujas interpretações não alçam vôo em momento nenhum; pela repetição e pela constante multiplicação por três que tornava o espetáculo previsível. Só não era cansativo porque teve o justo tempo de duração. Mas, como eu dizia, foi justamente na parte dança da peça que o espetáculo chegou até mim. Os três homens do elenco eu conheço e sei que não são bailarinos. Marco Antônio Sório colega de longa data, dos tempos do Palhaçadas no Teatro de Arena. Esteve muito tempo afastado do teatro e retornou integrando o elenco de várias peças do Teatro Ofídico. Marco está na hora de fazer um trabalho mais maduro e profundo. Mostrou-se inseguro em relação a marcas e tropeções no texto. Rafael Guerra e Everson Silva são oriundos das oficinas de formação de atores do Depósito de Teatro e conheço bem suas manhas e artimanhas recorrentes. Rafael tem verdade no olhar. Everson ainda mantém uma fala atrapalhada e uma falta de foco e definição no olhar. Os dois têm uma excelente energia e são bastantes perspicazes, mas sofrem de uma mesma doença que não permite que voem mais alto, ou mais fundo. Nenhum dos três dança. Das atrizes só conheço Sayonara Sosa, que também andou um tempo afastada e retornou atendendo o chamado do palco. Aparece com muita energia neste trabalho. Muitas vezes, demasiada energia, eu diria. Interpreta e reage o tempo inteiro, sofre o tempo inteiro. Sua interpretação fica exagerada porque é uma exceção no conjunto. Destoa. Não para em momento nenhum. Fica afetada, muito diferente da interpretação das outras duas, Claúdia Canedo, voz muito bem colocada, interpretação somente adequada, e Débora Geremia que defende com garbo e energia sua parte. A Sayonara eu acho que dança, as outras duas não sei se são também bailarinas. Mas, acontece que quando o elenco dança, ele se comunica. O teatro aparece e se instala. A Sala Álvaro Moreyra vira teatro. A peça acontece. Chato mesmo é a campanhia que marca algumas partes do texto. Não ajuda nada. E aquela mal arranjada locução no final da peça. É horrível. No cenário, básico e multiplicado por três, já aparece um certo descuido, mas a locução é bem pior. A iluminação não é tão inventiva, quanto se espera de um espetáculo do Eduardo Kraemer e torna-se apenas funcional. A direção é apenas correta. Eu, particularmente, prefiro aquele Teatro Ofídico radical na escolha de seus textos, provocações e pesquisa de linguagem.
TORTURANDO CRIANÇAS NO TEATRO INFANTIL
M.F.
CLOWSSICOS
Enfim, é um espetáculo honesto, onde aparecem: uma entrega dos atores durante todo espetáculo; uma tentativa de realizar uma comédia acima da média portoalegrense; e sem dúvida, uma vontade intensa de fazer teatro. Parabéns a todos. M.F.
MARGARIDAS SOLTAS NO PALCO
ROBERTO ZUCCO SEM SAL E SEM AÇUCAR
Como sempre que vou ao teatro, já saio de casa com uma excitação diferente, um prazer, com vontade de gostar, de aplaudir. Então, é uma pena, mas não gostei da encenação. Realmente, em meio a tanta coisa ruim que ja vi acontecer no palquinho da Sala Alziro Azevedo e no desperdiçado Teatro Qorpo Santo, os primeiros minutos de "ROBERTO ZUCCO" impressionam, e até mesmo a peça como um todo, se sobressai positivamente. Mas as idéias, a concepção, as interpretações não se sustentam ao longo do tempo e não oferecem ao espectador a profundidade dramática contida no texto do torturado Bernard-Marie Koltès, tampouco a dimensão humana da sua hiper torturada personagem, Roberto Zucco.
É. Pode-se dizer que são iniciantes e então, vendo a peça por esta ótica, dizer que trata-se de um espetáculo acima da média do DAD. Mas porque esta complacência? Porque dar ao trabalho e a equipe que o fêz esse tratamento benevolente? A peça não fez parte da grade do PoA em Cena? Na minha opinião, ou se dá um tratamento acadêmico ao trabalho, e tratamos como aquilo que de fato é, ou seja: um exercício acadêmico, uma produção obrigatória de final de semestre, realizada com quase nenhum ou pouquissímos recursos (porque a poderosa UFRGS não destina a verba que deveria aos trabalhos e pesquisas do DAD, mas isso é outro assunto). Ou, se considera que o trabalho (e equipe) faz parte daquilo que convencionamos chamar de teatro profissional gaúcho (algo que se situa entre o mais puro amador e um profissionalismo que tenta imitar as tendências do Rio e São Paulo), e eleva-se o gabarito da avaliação. A mim parece que se enche a bola das criaturas e não se oferece um feed-back verdadeiro e honesto sobre as coisas que alcançaram e sobre aquelas que não conseguiram alcançar nesta montagem. A mim parece, óbvio que no elenco tem atores que serão bons e que o diretor virá a ser um bom diretor, mas não isso que coloca em questão. Se tratando de teatro, prefiro levar a discussão a um patamar mais profundo. Não basta dizer que é bom porque são jovens ou iniciantes, têm-se que discutir a fragilidade da concepção cênica. Têm-se que discutir a falta de nuances e muitas vezes a falta de elán que os atores apresentam. Têm-se que discutir o baixo nível de concentração dos atores que se atrapalham e erram textos.
Vou mais longe. Assistindo a peça, pensei que o DAD deveria preparar melhor seus alunos e exigir mais deles. Fiquei pensando se um aluno do TEPA, ou do DEPÓSITO DE TEATRO, ou da TERREIRA DA TRIBO, não faz mais teatro em um ou dois anos de curso do que os alunos do DAD em seus quatro anos? Parece macio fazer o DAD e passar de semestre e formar-se ao fim de um tempo.
Entendo que a peça tem uma matriz boa. Aparece um núcleo de uma boa concepção. É um trabalho completamente honesto que vi com atores substituindo nomes que saíram do elenco. Um atenuante para a falta de ritmo da apresentação que vi, mas não para as coisas que estou apontando.
Outra coisa que pensei com a peça foi sobre ser "fiel ao autor". Já dirigi uma peça de Nelson Rodrigues e, mesmo me sentindo um criminoso, cortei e alterei textos. Com Dias Gomes, foi bem mais fácil. Com Suassuna, nem se fala. Bem, acredito que na encenação de Felipe pouquíssimos ou nenhum corte foi feito no texto. Parece estar na íntegra. Porque então acho que ele não foi fiel ao autor? Porque "ser fiel" não se trata de cortar ou não o texto. Trata-se de ser fiel ao imaginário do autor. A loucura, a viagem do autor. Então, como ja mencionei acima, me parece que a encenação não consegue comunicar a dimensão dramática contida no texto de Koltés. O diretor não consegue extrair de seus elenco a carga dramática necessária à interpretação do texto subjacente, emocional, corrosivo. Até mesmo o protagonista, vivido pelo ator Maico Silveira, carece da profundidade humana, e não consegue dar conta do mergulho vertical de Zucco no lago escuro e tenebroso em que ele se lança com absurdo destemor. Seu Zucco é quase um Rambo, não só pelo figurino (pedido pelo autor), mas pelo comportamento robotizado que apresenta ao decorrer do espetáculo. Parece que falta paixão. Fernanda Mandagará só se sai bem quando vive a mãe do garoto. Apesar de manter sempre o mesmo tom, consegue extrair alguns momentos bons quando interpreta esta personagam, principalmente na cena da praça. Pena que prefere nadar na superficialidade e não mostra a dor, peso e desencanto da mãe que vê o filho baleado na sua cara. Mariana Mantovani e Zé Benetti regrediram da última vez que os vi. Mariana falsa, quase afetada e Zé sem a performance mostrada em "Intensidades" e com duas horríveis mechas de cabelo na frente dos olhos. Muriel Vieira, a namorada consegue alternar momentos em que comunica algum sentimento ao público com momentos de "dizeção" de textos que caem num vazio absoluto. Falo dos atores mas culpo a direção, porque, sempre na minha opinião, o diretor tem obrigação de colocar o ator muito bem em cena. O diretor é o responsável pela profundidade do mergulho do ator (junto com o próprio, é claro).
Uma última observação minha é o fato de parece não ter havido uma pesquisa teórica, um estudo mais aprofundado sobre o autor (embora seja um dos preferidos do diretor), sua obra e sobre o(s) significado(s) possíveis e impossíveis contidos no texto e suas implicações humanas. Não precisava ser assim. A peça foi motivo de estudo dentro do próprio DAD e então, farto material poderia ser encontrado dentro da própria universidade. Além disso, a gente entra no google e digita "Roberto Zucco"e aparecem 21.300 páginas que dissecam a peça e cada uma das suas personagens (eu tb acho pedante escrever personagens no feminino, mas é o correto e não fui eu quem inventou essa frescura). Encerrando, acho que o diretor, Felipe Vieira, poderia ter ensaiado mais, estudado mais, se preparado e ter sido mais preparado pelos professores do DAD para enfrentar a árdua tarefa de encenar Koltès. Mas, em todo caso, acho louvável a decisão de encenar este texto e penso que com mais tempo e recursos com certeza a peça seria mesmo um bom trabalho como disse minha amiga Patrícia Fagundes.
MULHERES INSONES
Relembrando agora de "A Serpente", penso que já naquele antigo trabalho (talvez um dos primeiros que ele dirigiu), o Décio colocava em cena uma ousadia cenográfica, um cenário de forte impacto que dita a concepção do espetáculo. Agora, acabo de ver uma das suas últimas realizações, o deslumbrante "Mulheres Insones". Desta vez, Décio junta um cenário forte com uma coreógrafa calejada que representa o que há de melhor na dança no Brasil e no mundo. Félix Bressan (o mesmo cenógrafo da Trilogia Perversa) parece que acertou desta vez ao assinar um cenário em conjunto com os diretores. Com certeza é seu cenário que mais se integra ao espetáculo e não fica roubando foco, disputando com o espetáculo. Desta vez, Décio estava melhor assessorado do que nunca. Daniel Lion é, ao lado de Coca Serpa, nosso mais importante figurinista. André Birk é medalhão da sonoplastia. Flávio Oliveira não tem mais, em sua casa, onde colocar tantos Açorianos recebidos por suas trilhas sonoras. A Carlota, então, nem se fala. Como diz pomposamente Caco Coelho: "Carlota Albuquerque é nossa Imperatriz da Dança com D maiúsculo." Essa também, eu posso dizer que acompanho de perto. Me odeio por não ter visto Lautrec, mas o resto vi tudo. Não perco. É pura aula de direção.
Lamentei não ver minha amiga Naiara Harry em cena. Fiquei esperando sua entrada durante um bom tempo, até que me convenci que ela não entraria mais. Foi substituída. Pena. Mas, em compensação, estava no elenco uma das minhas bailarinas preferida: Angela Spiazzi. (as outras são: Tânia Baumann e Luciane Coccaro). Belíssima, exata, perfeita. Uma maravilha para os sentidos ver a Angela dançando. Aliás, o elenco da peça é muito bom. Muito coeso e cheio de energia. A pequeninha Didi é excelente bailarina. Ja a vi num espetáculo da Jussara Miranda. Tem presença. Mas carece, como também acontece com Joana do Amaral, de diminuir a representação e a falsa dramaticidade do corpo e do olhar quando imaginam que estão representando um personagem ou uma situação. Gabriela Greco, como não podia deixar de ser, é a melhor atriz e nada deixa a desejar corporalmente. Um corpo bonito que se movimenta plástica e dramaticamente de forma correta. Correta é pouco. Melhor seria dizer: consciente, concentrada. Me agrada sempre ver a beleza e a graça de Gabriela Peixoto que aparece na medida certa. Carismática, sentindo prazer de estar cena, acreditando sempre naquilo que está fazendo. Não exagera dramaticamente e funciona o tempo inteiro. Feliz do Décio que está trabalhando com este elenco disciplinado e brilhante. A peça é o melhor trabalho que ja vi do Décio, é sensível, dramática e tem uma personalidade própria. Que maravilha ir ao teatro e ver um espetáculo assim.
Mas, pra não ficar somente em elogios, que são absolutamente sinceros, vão aqui também alguma críticas. Achei que faltou dramaturgia. Achei que a dramaturgia fica agarrada a poucos temas rodrigueanos e não arrisca. A coreografia arrisca e a dramaturgia não arrisca. Senti falta de texto. Acho que o espetáculo ganharia se fosse colocado mais próximo do espectador. Acho que as ballarinas deveriam estar mais preparadas pra colocar a dramaticidade e o teatro de Nelson Rodrigues em cena. Acho que a coreografia da Carlota se sobrepõem ao espetáculo, como o cenário de Félix Bressan se sobrepunha em As Núpcias de Teadora. E, finalmente, acho que o espetáculo, apesar delas rolarem na areia, fica num meio termo, num bom mocismo que não se coaduna com a profundeza das águas onde nadam as personagens mulheres de nelson rodrigues.
DOMINGO NO TEATRO INFANTIL
CONCLUSÕES DO DAD/UFRGS
No primeiro trabalho, a jovem atriz enfrenta um tour de force ao representar uma personagem que se espelha na reverenciada Maria Callas, em um monólogo escrito em 1992, sob encomenda para Marília Pêra, intérprete virtuosística que atua via de regra em musicais onde explora seu talento e a técnica desenvolvidos para o canto e a dança. Já, Letícia Chiochetta somente em alguns momentos parece sair-se bem ao explorar as difíceis melodias que aparecem no espetáculo. Em alguns momentos mostra-se insegura. A atriz aparece concentrada, tem uma ótima projeção de voz, sendo que em pouquíssimos momentos deixa-se de entender o que ela fala, movimenta-se bem e passa com naturalidade do teatro para as canções que interpréta. No geral, me parece que faltou direção ao espetáculo e que, se o exercício de Letícia tivesse a metade do tempo de duração que tem, o resultado seria melhor, pois ao final os aplausos foram apenas protocolares e restou, em mim pelo menos, a sensação de uma peça longa e chata.
A outra peça, ANÔNIMAS, apresentada também na Sala Qorpo Santo, era interpretada por duas jovens atrizes: Fernanda Nascimento e Luísa Herter, e pela ex-dadiana, que atualmente integra a Cia Stravaganza, Sofia Salvatori, todas sob direção da formanda Juliana Brondani. O que vi foi um trabalho incipiente em todos os sentidos. Desde uma fraca dramaturgia, que era mau arranjada, falhava nas costuras do espetáculo e não propiciava o crescimento nem os clímaxes das cenas à luz, que, ao meu ver, não soube aproveitar com eficiência os parcos recursos de iluminação com os quais a poderosa UFGRS segue dotando uma sala tão boa para experimentos teatrais em palco italiano. Ou não. Já assisti várias montagens que ousaram além do palco italiano... A direção não consegue extraír o melhor de cada atriz e isso faz com que cada uma delas permaneça no mesmo registro dramático durante praticamente todo o espetáculo. Fernanda Nascimento consegue alguma empatia com a platéia somente no último terço da peça, e ganha vida e brilho na cena com o plástico bolha que ela aproveita muito bem. Luísa Herter, tem uma bonita figura em cena e, apesar de vê-la pela primeira vez, me bateu que poderia ir mais além do que foi. Seu corpo se move bem, soa voz é boa, embora a emissão, não seja e nem sempre suas ações são críveis. O fato de ja ter dirigido, a terceira atriza da peça, Sofia Salvatori, na montagem da peça BLITZ (de Bosco Brasil), confirmou-me a certeza de que todas poderiam ter dado mais si. Suado um pouco mais. Ensaiado um pouco mais? Sofia, que faz um trabalho brilhante em "TEUS DESEJOS EM FRAGMENTOS", dirigido pela minha grande amiga e colega Adriane Mottola, está apenas eficiente. Credito isso a direção, a dramaturgia, a repetição excessiva de marcas e aos repetidos movimentos multiplicados por três que deixam o espetáculo previsível.
Para encerrar, quero dizer que acho que o problema maior está no DAD. Na aprisionante estrutura acadêmica , na fracas exigências da orientação, na existência de professores substitutos (ja que a universidade, ao invés de abrir um concurso e fixar um quadro de bons professores, prefere contratar alguns professores de dois em dois anos), na falta de ensaio, na falta de tempo e amadurecimento das coisas que ali são produzidas e, principalmente, na falta de fazer teatral que acomete o Departamento. Já disse em outro texto e repito aqui: qualquer aluno da Terreira da Tribo ou do Depósito de Teatro faz muito mais teatro em um ano do que o os alunos do DAD em quatro. É pra se pensar ou não é? Que diretores e atores estamos formando?
TEATRÃO NO TEATRINHO
FELIZ ENTRADA EM CENA
BEM SUCEDIDO PRESENTE DE ANIVERSÁRIO
Ivone, Princesa da Borgonha
No sábado, fui ao suntuoso Salão de Atos da poderosa UFRGS, para assistir a estréia de IVONE, PRINCESA DA BORGONHA, espetáculo com direção de Irion Nolasco sobre um texto do polonês Witold Gombrowicz (não vou ficar falando dele aqui, quem quiser que coloque o nome dele ou da peça no google que aparece uma montanha de páginas sobre o assunto, como dizia Hilda Hilst: Informe-se.). A peça foi encenada em comemoração à passagem dos 50 anos do Departamento de Arte Dramática da Ufrgs, criado "... por alunos do curso de Letras da Faculdade de Filosofia...", como ensina didaticamente o programa da peça. Pois, na minha singela opinião, o espetáculo sai completamente vencedor diante dos olhos da Reitoria, que é quem tem a chave do cofre que pode vir a patrocinar outras possíveis (e no mínimo anuais) montagens do DAD. Aliás, esta seria uma ação de extrema importância, já que qualquer (no bom sentido) oficina de teatro que se pretenda boa (TEPA, TERREIRA, DEPÓSITO) realiza uma (ou mais) montagens com seus alunos, e a poderosa UFRGS não faz isso há anos.
Desde "Conto de Inverno" híbrido espetáculo infantil/juvenil/adulto encenado em 1996, passando pela apenas tímida colaboração em "Assassino" feito em parceria com a atriz e bailarina Alexandra Dias, eu não assistia um espetáculo cuja direção fosse assinada pelo professor Irion Nolasco, que agora desemcumbe-se satisfatoriamente, criando alguns belos momentos e efeitos de direção, alguns com criatividade, outros com experiência, dando-se ao luxo de enxertar outros textos do autor entre as cenas do texto principal, às vezes, modernamente, na forma coreográfica, tão em voga atualmente. Trabalhando com um elenco de jovens iniciantes a direção se sai positivamente vencedora porque apresenta uma concepção clara e realiza um espetáculo de fácil compreenssão, onde a trama nunca se perde e também por conseguir uma força e um resultado (com o perdão da linguagem) espetacular do elenco, que, diga-se de passagem, atravesse vitoriosamente a difícil tarefa que lhe é incumbida, ou seja falar todo aquele texto, no mínimo, abundante, que é obrigado a dizer. Mostra-se um elenco coeso e bem equalizado. Exatamente como diz no texto do blog do jornalista Felipe Vieira: "... o talento, o entusiamo e a disposição de 24 alunos..." No entanto, se observarmos individualmente, é claro que uns se saem melhor do que outros. O quarteto que protagoniza o espetáculo está muito bem em cena. Márcia Donadei empresta tamanha seriedade e profundidade no seu silêncio e consegue transmitir uma grave dimensão humana a sua personagem que nos coloca como em "A Roupa Nova do Rei" clássico infantil de Hans Christian Andersen. Di Machado, está bastante seguro e à vontade no papel de Príncipe Protagonista. Aproveita bem as situações e dá credibilidade a decisão inédita de casar com a feia proposta pelo autor. Não fosse tão longo e repetitivo seu texto, o que o coloca numa situação de tornar-se repetitivo também, estaria brilhando em cena. Talvez é o que venha a acontecer, se o espetáculo chegar a amadurecer apresentando-se mais do que meia dúzia de vezes. Meu amigo e quase meu ator, Herlon Holtz aparece com desenvoltura, voz bem colocada, disposição e disponibilidade corporal, demonstra um certo carisma, mas não chega a energizar o ambiente. O remédio pra isso é apresentar mais vezes o espetáculo e expandir sua energia em direção ao público. Rafaela Cassol, que conheço das festas do Depósito, está muito bem, sua composição da personagem, como se diz em teatro, a "sua rainha" existe. Leônidas Rubenich é vencido pela vaidade capilar e seu cabelo aparece mais do que ele em todas as cenas. Uma pena porque seu cabelo é bonito e ele tem uma bela energia e presença em cena, mas durante o espetáculo travam um combate sem vencedores. Os demais confundem-se na coesão de elenco e todos se defendem e cumprem eficazmente seus papéis.
O figurino é um acerto, um golaço. Irion apostou e acertou em cheio quando escolheu a experientíssima Rô Cortinhas. Um arraso no cinema e no teatro. O cenário, além de ser bom pra viajar, é assinado pelo diretor em parceria com meu longinquo amigo Zau Figueiredo, então tem várias propostas de utilização esboçadas mas que não chegam a se concretizar, ainda estão "sujas". A Banda é boa, divertida. A iluminação do querido Bathista Freire é didática e parece, submetida pelo diretor. Consegue efeitos básicos no tecido e é eficiente para iluminar os atores.
A questão que me coloco é responder porque cansei do espetáculo ao final do primeiro ato e durante um bom pedaço do segundo ato, chegando ao final, louco que terminasse, para que eu não perdesse a sensação de ter visto um bom espetáculo, e não ficasse com a impressão de ter assistido uma peça cansativa. E vejo que o que me chateou na peça foi um excesso de didatismo, um preciosismo acadêmico que impediu cortes profundos no texto. A decisão de fazer na íntegra deixa o espetáculo prolixo e, às vezes redundante, e obriga o público a ouvir várias vezes a mesma discussão. A mim, parece que o texto repassa e repisa os mesmos assuntos. Então, confesso que cheguei cansado ao final do segundo ato. Eu e os atores. E o também o público a minha volta, que olhava o relógio, preocupado com o ônibus, e se inquietava perceptivelmente nas cadeiras. E, pelo menos no meu caso, não é por uma questão de tempo ou de ônibus, pois adoro ficar assistindo. Mas, entendi que a idéia já estava compreendida, que todo elenco ja havia defendido bravamente suas posições, que o espetáculo ja havia mostrado a que vinha e, então, não pude deixar de pensar que deveria haver uns bons cortes naquele texto em benefício da comunicação do espetáculo com o público, mas logo percebi que este era um pensamento babaca, pois cada obra tem o seu tamanho, sua textura, seu tempo, suas cores para o bem e para o mal. Terá o diretor e o elenco e a equipe e o próprio espetáculo, como organismo vivo que é, se haverem com uma gorda "barriga" que aparece na peça lá pelas tantas. Mesmo assim eu faria cortes no texto em benefício do espetáculo, e para justificar cito o eterno contemporâneo Tadeusz Kantor: "O teatro não é um aparato de reproduzir literatura, o teatro possui sua própria realidade autônoma." Senti como se a peça, o público e os atores estivessem pedindo um pouco menos de texto.
Contudo, o espetáculo tem a vitude de fazer com que o espectador não perceba que três longas horas se passam. Isto é ótimo, mesmo depois dos franceses terem nos obrigado a passar mais de seis horas naqueles bancos horríveis. Parabéns a todos. E, como não poderia faltar, um recado a UFRGS: o Reitor e seus assessores financeiros têm que entender que o teatro é um ser vivo, que deve ser apresentado um número máximo de vezes, exibido diante do público e confrontado pela platéia o mais de vezes possíveis, para que ele desabroche o demonstre diante dos nossos olhos a transformação de largarta em poderosa obra de arte. A Reitoria tem que compreender que deve bancar, no mínimo anualmente, a produção de um espetáculo, pois isso é fundamental para a formação dos atores e diretores que saem formados por esta instituição.
Todo mundo deve assistir.